quarta-feira, 11 de julho de 2012



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Conheci Ondjaki no Entrelinhas, numa entrevista que ele concedeu ao jornalista Daniel Antonio. Ndalu de Almeida é Ondjaki, pseudônimo que em umbundu – língua falada pelos ovimbundos das montanhas centrais de Angola – significa guerreiro.

O continente africano tem povoado meus dias... pelo significado profundo de seu conceito de centro do mundo... por conta do mapa mundi mais popularizado que temos conhecimento, o continente europeu é o centro superior, o continente africano está no centro, porém, abaixo da Europa... e isto está no imaginário de todos nós... nas entrelinhas, é que a tudo acontece - fazendo um trocadilho com o nome do programa mencionado que infelizmente recentemente nos deixou...
Mas África como centro do mundo, não no sentido geográfico (sem desmerecer a geografia moderna, que sem querer nos fez este favor de África no centro)... quero pensar neste continente como o lugar do primeiro ser humano... das primeiras experiências em ciência... técnicas de sobrevivência, gênese do que o mundo e o homem são hj...
Na gana de querer ver o mundo mais naturalizado, tenho uma utopia (EXPLICANDO: u-prefixo de negação/topia-lugar: algo que ainda não tem o seu lugar no mundo e não impossibilidades, como esta palavra costuma ser usada)... quebrar tabús... e este tabú sobre África é um dos maiores em mim...

Digressão a parte, os estudiosos de África (de longe ou de perto) me fazem companhia, e acho que esta veio (e não é de agora) pra ficar...
Eis que sou levada de volta a literatura por Ondjaki... suas palavras dançam, brincam, enqto fala de coisa séria, como o significado de ser angolano e de sua infância (coisa séria para mim)...
Há alguns dias li algumas frases, que compõe uma "estorinha" (como ele falou pra mim, de forma virtual – não, eu não encontrei com ele pessoalmente) dele e fiquei totalmente identificada, extasiada... a explicação disso??? não sei se sei, e nem sei se um dia vou saber... eis as frases em 12 partes, como ele as registrou...

(1) - a mulher que só sonhava de manhã, acordava sempre muito cedo. tinha medo, era óbvio. -
(2) a mulher que só sonhava de manhã não passou bem a noite e viu-se exausta. adormeceu eram 6:37am. e começou a sonhar...
(3) a mulher que só sonhava de manhã não se permitia sonhar há 19 dias y 500 noites. quando o fez, inundou o quarto de lágrimas.
(4) a mulher que só sonhava de manhã foi encontrada - na sua cama molhada - por uma mulher que sonhava todos os dias. a qualquer hora.
(5) a mulher q sonhava a qualquer hora, todos os dias, não resistiu e provou o sal da mulher que só sonhava de manhã. um gesto imprudente...
(6) a mulher que só sonhava de manhã, ao frequentar o seu pesado sonho, viu as circunstâncias da sua morte. e abandonou o acto de falar.
(7) a mulher q sonhava todos os dias deitou-se na cama, no sonho da outra mulher. mas não sabia espreitar sonhos. sentiu-se triste.
(8) a mulher q só sonhava de manhã, agora silenciosa por opção ou deslumbramento, reorganizou o seu sono para acordar muito cedo. sempre.
(9) a mulher q sonhava todos os dias, passou o resto dos seus dias a tentar espreitar o sonho de outras mulheres. um dia antes de morrer...
(10) um dia antes de morrer,a mulher q tentava espreitar o sonho de outras, espreitou um momento onde era ela a sonhada. a grande despedida.
(11) à mulher q só sonhava de manhã, bastou-lhe um sonho para entender os mistérios femininos. sorriu: porque já os havia pressentido antes.
(12) a mulher que só sonhava de manhã foi encontrada - num sonho - por uma mulher que sonhava todos os dias... | ( - fim - )