domingo, 22 de abril de 2012

Hilda Hilst... e o amor impossível...


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Lendo o post do blog EGRÉGORA: CARRANCAS LITERÁRIAS tive contato com uma reportagem sobre os 80 anos de Hilda Hilst... encantada fui navegando e navegando... li sobre o encontro de Zeca Baleiro com ela... ele musicou um poema dela do livro Júbilo Memória Noviciado – da Paixão de 1974, que fala da história do amor impossível entre Ariana e Dionísio...
Por ser tratar de versos do ponto de vista de Ariana, Zeca chamou 10 vozes femininas da MPB, para gravar os versos que não possuem nome, são apresentados como Canção I até a Canção X... Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Maria Bethânia, Jussara Silveira, Ângela Ro Ro, Ná Ozzetti, Zélia Duncan, Olívia Byington, Mônica Salmaso e Ângela Maria...

Como li, trata-se de um “disco literário, que não é para rádio ou ambiente... é música para ler”...
Tristão e Isolda para representar Ariana e Dionísio
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Eis alguns trechos do poema:
ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

I
É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


VI
Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga
Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:
Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta
Quando tu, Dionísio, não estás.

X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa
E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.
Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.

domingo, 8 de abril de 2012

Uma Nação Capitu


Uma Nação Capitu

Os olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada da personagem de Machado de Assis são um patrimônio feminino brasileiro


Como seria interpretar, sobre um palco, a personagem Capitu, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada? É impossível, para uma atriz, dar conta totalmente da complexidade desse olhar tão poderosamente descrito por Machado de Assis em Dom Casmurro. Cada um de nós teria, certamente, o seu toque oblíquo, as suas olheiras de ressaca, a sua dissimulação, o seu fluido misterioso e energético. A minha intuição me faria interpretar Capitu com a absoluta crença de que esse olhar está, todo ele, subdividido no olhar da brasileira. Todas nós somos Capitu. Esse olhar nos pertence. E só a nós. É um patrimônio do feminino brasileiro.


 Machado nos ensinou a vê-lo e o equacionou. Esse olhar é a nossa miscigenação, a nossa aparente submissão, são as nossas olheiras amorosamente gulosas, quentes e erotizadas. É o olhar que denuncia a marginal vitória desse ser-mulher colonizado. Olhar de quem dissimuladamente aceita o jogo surdo, silencioso, de carrasco e vítima, jogo fascinante e cruel na aparente aceitação das diversas manifestações do relacionamento humano. Essa luta dolorosa fascina Dom Casmurro porque ela é jogada no campo da dúvida.

Ao descrever Capitu, Machado esclarece: "Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca?" Nessas circunstâncias, o autor lança mão da imagem da cigana (presença marginal), do olhar de ressaca (visão de uma carne indomável) e do olhar oblíquo (não definido, não confiável, dissimulado).

Os olhos mostram o que desejamos ver por meio deles. É sempre também o reflexo, a projeção de quem olha. Esse perscrutar de olhares se apresenta desde o primeiro momento em que os hormônios começam a latejar. Não é só o menino que é o pai do homem. A menina também é a mãe da mulher. Os heróis de Dom Casmurro se conheceram na adolescência. Com mais luz ou menos luz, os olhos de uma menina de 14 anos já denunciam o olhar de toda uma vida.

Dom Casmurro é um tratado sobre o olhar. Capitu é emblemática. Bentinho descreve seu próprio olhar, olhando Capitu. Ouso falar sobre Capitu como atriz. Como se estivesse analisando um texto de dramaturgia, juntamente com um elenco, ao redor de uma mesa. Não estou aqui me arvorando em crítica literária. E como mulher de palco digo que, se eu tivesse tido na minha vida a oportunidade de tentar interpretar Capitu, partiria do ponto de vista de sua clara, profunda e inconfundível brasilidade.

Não estou circunscrevendo Capitu a nossa aldeia. Ela é universal como literatura e como perfil de mulher. Indo além do que já ousei e me arrisquei nestes parágrafos, intuo que, embora o Brasil seja nome masculino, nosso país, por nossa complexidade oblíqua, energética, misteriosa, pela nossa História contada sempre de uma forma tão dissimulada e pelo fascínio tão decantado de nossos trópicos, é, no fundo, uma nação Capitu.

Por Fernanda Montenegro


Artigo publicado na revista Época 500 anos, edição especial, em 17 de abril de 2000.

eu, Lima Barreto e o tempo...

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Devo confessar que o encontro com Lima Barreto aconteceu meio tarde neste meu percurso... como outros tantos... faço tudo muito tardiamente na vida... não tenho a certeza desta afirmação ser um fato ou uma forma de sentir o mundo... (não obtive a devida condução???)... tb por isso a opção de não trazer pro mundo dos fenômenos  um ser humano... hj sei que minha intuição estava certa... não saberia dar o devido encaminhamento para tão importante decisão (outrora)... 
Passados os anos, a clareza de tempo perdido... recuperando, uma redundância, "em tempo"...
Enfim, Lima revirou minhas entranhas vivendo suas circunstâncias de forma tão genuína, profunda... não conseguia ser refratário ao seu tempo histórico, como acontece com alguns poucos de nós, a qualquer tempo... 
Imprimiu em seus personagens esta vivência íntima com os acontecimentos, colocando uma pitada dele mesmo em cada um: razão, sensação, emoção... não se limita a narrar... denuncia, milita através da 'ficção', que acabamos por perceber a cada instante não tratar-se de pura imaginação... 
A implantação da 'coisa do povo' (Res-pública) no nosso país estava grávida de desejos... é que o desejos não estavam afinados... daí percebemos que ao longo de nossa história os desejos dificilmente estão em sintonia... e é isso que nos caracteriza essencialmente como seres humanos??? 
A questão é que esta falta de sintonia traz para a história circunstâncias que dilaceram, causam grandes enfrentamentos, (des) encontros... sempre a vontade de quem obtém historicamente os meios, a facilidade das possibilidades não está afinada com quem quer tb obtê-los... como se 'a coisa' fosse apenas permitida pra um grupo, que a despeito do outro, detém os recursos ou a contingência para.............
Retomando cada ponto da história verificamos a repetição dos fatos... e, como a personagem Olga do Lima Barreto, constato os fatos, porém deixo a cargo da própria história as consequências dos acontecimentos, ou me limito a fazer o que me cabe... por outro lado percebo tanta ingenuidade em algumas ações... enxergando mesmo o major Quaresma nelas... 
E revisitando (como sempre) nossa linha do tempo (não tão linear assim), quero supor que esteja me preparando para saber quem sou politicamente, intelectualmente, e preparando outros tb (com os recursos de que tenho me apropriado), para não incorrer no erro de agir apenas pensando na força dos meus atos como coerção... como com Floriano, que apesar de não ser preparado para seu cargo, sabe exatamente o peso de suas ações...


obs.: Preciso um dia falar de um filósofo que põe todas estas questões 'por terra'... Luís Felipe Pondé... professor da PUC, tem me feito companhia há uns dois anos, sempre me colocando frente aos meus pensamentos, mas ao contrário... difícil dizê-lo... tenho uma relação extremista com ele...